quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Erros judiciários brasileiros: o caso Motta Coqueiro

Conheci o caso de Manoel da Motta Coqueiro por meio de um livro interessantíssimo, Fera de Macabu: a história e o romance de um condenado à morte (Record, 1998, 408 páginas), no qual o jornalista Carlos Marchi revisita um fato pouco conhecido da história brasileira, cujas consequências são tão importantes que me permito dizer tratar-se de um fato histórico essencial, ao menos para os interessados nas dinâmicas de poder estatal. Visite o site oficial da obra. O caso ganhou maior visibilidade ao se tornar episódio do programa Linha Direta: Justiça, da Globo, exibido em 28.8.2003. Saiba mais.
Em apertadíssima síntese, Manoel da Motta Coqueiro era um fazendeiro na região de Macabu, hoje Município de Macaé, Estado do Rio de Janeiro. Na noite de 12.9.1852, a família do colono Francisco Benedito da Silva foi chacinada, sendo oito pessoas trucidadas. A única sobrevivente foi uma das filhas do colono, Francisca, amante de Coqueiro e que dele engravidara. Esse teria sido o estopim do crime e, tendo Coqueiro angariado muitas e influentes inimizades ao longo da vida, seja no campo pessoal, seja no político, não faltou quem o acusasse da mortandade. Afinal, ele era o suspeito perfeito e, para piorar, fugiu.
Basicamente, o processo foi conduzido de modo a provar o óbvio: ele era o culpado; afinal, quem mais seria? Havia muitos motivos para se concluir por sua culpa, ele mesmo não ajudava e o sistema jurídico da época era avesso à proteção dos direitos individuais do réu. Some-se a isso seus muitos inimigos, agindo deliberadamente para prejudicá-lo. Condenação à morte assegurada.
O último passo jurídico para escapar da morte foi um pedido de graça ao Imperador, D. Pedro II (aquele mesmo que nascera para ser cientista e não chefe de Estado). Na petição, o tamanho do desespero: "Vós sois na Terra o Deos dos Cidadãos deste Imperio, não negueis só desta vez a Vossa piedade ao infeliz que o espera". Infelizmente para o condenado, a Seção de Justiça do Conselho de Estado fez o que fazem as autoridades de hoje: examinou o processo burocraticamente, como se por trás não houvesse seres humanos. E concluiu que o suplicante não merecia a imperial clemência.
Encaminhado o parecer ao imperador, a sorte de Coqueiro foi selada com um simples rabisco ao pé do documento: "Como parece — Paço 17 de fevereiro de 1855".
Coqueiro foi levado à forca em 6 de março de 1855, às duas da tarde. Jurando inocência até o último momento, seu ato final foi amaldiçoar a cidade de Macaé, que viveria cem anos de atraso pela injustiça que lhe faziam. Depois, pendeu no cadafalso. Como seu pescoço não se quebrasse, o carrasco montou em seus ombros até escutar o som da coluna vertebral se rompendo.
Ocorre que, após sua execução, descobriu-se toda a verdade. Coqueiro era mesmo inocente. Quem mandou chacinar a família foi outra pessoa, que tinha grande interesse pessoal nisso (não revelarei quem: leia o livro). Segundo afirmam alguns historiadores, ao ser informado, D. Pedro II — que era, acima de tudo, um humanista, ficou horrorizado. Afinal, ele teve a oportunidade de salvar aquele homem. Daí que sua decisão foi que ninguém mais seria condenado à morte no Império do Brasil. Todas as sentenças de morte seriam convertidas em prisão perpétua ou galés perpétuas, mesmo para os escravos. Dada a repercussão do caso graças ao livro e ao programa global, todavia, outros historiadores contrariaram esta afirmação, dizendo que a pena de morte continuou a ser aplicada no Brasil por alguns anos.
Em suma, perdeu-se um pouco do romantismo que o episódio permitia.
Seja como for, Coqueiro virou um fantasma de túnica branca (ou um lobisomem) a assombrar Macaé, especialmente na Praça da Luz. Marchi observa, em seu livro, que durante décadas tudo que acontecia de mal na cidade era atribuído à maldição do injustiçado. Passados cem anos, coincidência ou não, a cidade começou a florescer economicamente.
Continua sendo uma história espetacular, não?

(Texto revisado em 10.9.2011)

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