terça-feira, 23 de setembro de 2008

Recomendação de leitura técnica

Eu já tinha o manual de Direito Penal do Prof. Paulo Queiroz, doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Procurador da República, quando editado pela Saraiva. Acabei de adquirir, contudo, a 4ª edição (2008), "completamente revista e ampliada", agora publicada pela Lumen Juris. O completamente não era força de expressão: a obra está, realmente, ampliada. O que era bom ficou melhor.
Escrito numa linguagem agradável, o que o torna acessível aos neófitos, não perde em momento algum a precisão e o aprofundamento. A elevadíssima revisão dos clássicos; a profunda visão social e humana; e a menção ao modo como se ensina Direito nas universidades e como o mesmo é aplicado pelos juízes e demais profissionais (aspectos raramente cogitados em um manual) colocam o livro entre os melhores disponibilizados aos estudiosos do Direito Penal, nestes tempos em que todo hora surge um autor novo. Basta ver quantos novos autores chegaram às livrarias nos últimos anos, sem que isso desperte em nós, professores, a necessária segurança para fazer a recomendação de leitura aos nossos alunos.
Cito três trechos que li ontem, do Direito Penal: Parte Geral que ora recomendo:

"Parece-nos que em grande parte a especialização dos juristas é um mito. Sim, porque são chamados a se manifestarem sobre praticamente tudo e, portanto, sobre temas os mais diversos e nos quais é ou pode ser ignorante: imprudência técnica (de médicos, engenheiros etc.), sistema financeiro etc., por vezes assumindo um papel de economistas, de administradores ou de todos conjuntamente.
Não raro, a maior especialização do jurista é, assim, um simples preconceito, porque, apesar de sua formação técnica numa área específica (a lei e o direito), tem em tese competência para todo e qualquer assunto, dada a onipresença do fenômeno jurídico: medicina, psiquiatria, finanças etc.: são, paradoxalmente, especialistas sem especialidade. Exatamente por isso, certas interpretações jurídicas podem eventualmente parecer ridículas aos olhos de um autêntico especialista/perito." (p. 128)


"Convém notar ainda que subsistema penal está assentado sobre uma estrutura econômica e social profundamente desigual, e, por isso, é arbitariamente seletivo e assim recruta a sua clientela entre os grupos mais vulneráveis, a revelar que a pretensão de justiça está grandemente comprometida desde a sua concepção. Em sua majestática igualdade, dizia Anatole France, a lei proíbe tanto ao rico quanto ao pobre dormir embaixo das pontes, esmolar nas ruas e furtar pão. E isso sem falar na descontextualização e despolitização dos conflitos que resultam da tecnicização." (pp. 128/129)


"Também por isso (distinção entre técnica e justiça), segue-se que uma boa formação técnico-jurídica não constitui garantia de profissionais (juízes, promotores, advogados, etc.) justos, mesmo porque podem ser, não obstante a excelência técnica, corruptos, preguiçosos, insensíveis etc. E uma boa interpretação, na arte como no direito, além de técnica e razão, requer talento e sensibilidade. É que tais atividades demandam habilidades que estão muito além da simples técnica: maturidade, experiência, coragem, capacidade de trabalho." (p. 129)

Estou fascinado com o livro, que merece toda a atenção de quem é do ramo (afirmação que faço com o ônus de reconhecer que não examinei a obra toda, ainda — mas não creio que terei uma decepção daqui para o final).

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