sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Reforma do Código Penal XXX: a quantidade de patas

O advogado capixaba Fabrício Oliveira escreveu uma crítica ácida e inteligente a uma das propostas do projeto de novo Código Penal. Trata-se da tipificação da figura de omissão de socorro em relação a animais (art. 394), que teria esta redação:
Deixar de prestar assistência ou socorro, quando possível fazê-lo, sem risco pessoal, a qualquer animal que esteja em grave e iminente perigo, ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena — prisão, de um a quatro anos.
Além de destacar aspectos técnicos, a crítica tem como principal fundamento o fato de que a omissão de socorro tradicional, isto é, tendo seres humanos como vítimas, permanecerá com a mesma pena cominada atualmente, de 1 a 6 meses de prisão ou multa. Em termos objetivos, ignorar um gatinho preso na caixa de roda de um automóvel passaria a ser muito mais grave do que virar a cara para uma criança ferida e sozinha em plena rua.
Dia desses, vi a professora de Direito Penal Janaína Paschoal criticando o mesmo ponto. Ela disse algo irrespondível: que se uma pessoa visse uma criança e um animal em dificuldades e decidisse com base na razão e no coração, salvaria a criança; mas se consultasse o Código Penal, salvaria o bicho.
Está dífícil desmentir as razões dos dois críticos. Com isso, os defeitos do anteprojeto vão se avolumando, mesmo sendo ele, no geral, merecedor de elogios. Mas a Parte Especial precisa de grandes e profundas reflexões. Antes que novos males se consumem, bicho.

6 anos

Quem diria, mas este bloguinho está completando hoje 6 anos de idade. Para a Internet, isso é quase uma eternidade. Até eu tenho alguma dificuldade em acreditar.
Quando comecei por aqui, o Brasil não chamava de "marolinha" crises econômicas mundiais, eu não tinha filha, a rede social que bombava era o Orkut, não o Facebook, e grandes operações criminosas enredadas no governo não redundavam em condenação. Quanta coisa mudou nesse tempo que, convenhamos, em termos históricos, é muito pouco.
Ultrapassada a fase da empolgação, vamos seguindo, numa busca cotidiana por identidade. Sempre agradecendo a generosidade de quem aparece por aqui, para ler o que sempre chamei, deliberadamente, de mal traçadas linhas.
Não direi "que venham os próximos 6". Direi, tão somente, que venha o sétimo. E que ele seja muito bom, para todos nós.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

As cotas e suas cotas

LEI N. 12.711, DE 29 DE AGOSTO DE 2012

Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. 
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.
Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.

Art. 2º  (VETADO).

Art. 3º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Parágrafo único. No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescentes deverão ser completadas por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Art. 4º As instituições federais de ensino técnico de nível médio reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso em cada curso, por turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que cursaram integralmente o ensino fundamental em escolas públicas.
Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.

Art. 5º Em cada instituição federal de ensino técnico de nível médio, as vagas de que trata o art. 4º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Parágrafo único. No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescentes deverão ser preenchidas por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino fundamental em escola pública.

Art. 6º O Ministério da Educação e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República, serão responsáveis pelo acompanhamento e avaliação do programa de que trata esta Lei, ouvida a Fundação Nacional do Índio (Funai).

Art. 7º O Poder Executivo promoverá, no prazo de 10 (dez) anos, a contar da publicação desta Lei, a revisão do programa especial para o acesso de estudantes pretos, pardos e indígenas, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, às instituições de educação superior.

Art. 8º As instituições de que trata o art. 1º desta Lei deverão implementar, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) da reserva de vagas prevista nesta Lei, a cada ano, e terão o prazo máximo de 4 (quatro) anos, a partir da data de sua publicação, para o cumprimento integral do disposto nesta Lei.

Art. 9º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Obstáculos jurídicos removidos, mas nem pense que a polêmica terminou. Pelo contrário. Ainda que sem demandas judiciais, ou justamente por causa disso, agora mesmo é que os candidatos a cursos superiores vão se engalfinhar. Espero que só no plano das ideias.

A nova relação empresas & mídia

Há cinco dias, a imprensa deu destaque para "Gina Indelicada", uma página criada no Facebook por um estudante de 19 anos, Ricck Lopes, cujo objetivo é fazer humor por meio de respostas impertinentes a perguntas. Uma ideia simples e fácil de pegar no mundo virtual, altamente permeável a bobagens, e que rapidamente se tornou sucesso.

Um belo dia, o dono da página recebeu uma ligação da empresa fabricante dos palitos e se apavorou. Mas em vez de um processo, ele ganhou uma proposta de trabalho: será o canal de comunicação da empresa com o público de sua faixa etária e que consome mais por meio da Internet do que pelas mídias tradicionais.

Ontem foi a vez de Antônio Tabet, do Kibeloco, contar a própria experiência. Ele criou, há poucas semanas, junto com um competente time de humoristas, o canal Porta dos Fundos, no YouTube. Fora da televisão e aproveitando um filão que não para de crescer, o grupo desenvolve um programa concebido para a rede mundial de computadores, realizado através da publicação de vídeos com esquetes bem bacanas, com linguagem explícita e sem concessões ao politicamente correto.

Um desses vídeos, originalmente intitulado "Fast food", reúne o humorista Fábio Porchat e a adorável cantora Clarice Falcão naquele momento tenso em que você precisa escolher os ingredientes do seu prato de massa. Embora sem indicações ostensivas, a decoração do ambiente permite que você identifique o Spoleto, franquia conhecida em todo o país. No esquete, Porchat é o cozinheiro estressado que chega a atirar comida no rosto da cliente. Destaque para o trecho final, quando uma emputecida faxineira precisa limpar a sujeira do chão.

O vídeo teve consequências. Novamente, contudo, inesperadas e promissoras. Os donos do Spoleto ligaram para a equipe do Porta dos Fundos e ofereceram patrocínio. Em troca, pediram que o vídeo em apreço fosse renomeado para "Spoleto" (o que me chamou muito a atenção, antes de eu saber o motivo) e encomendaram uma continuação.

Quem diria que essa garotada de bom humor, antes discriminada, agora funcionaria como portavozes e ainda por cima do capitalismo! Pessoalmente, acho um fenômeno bastante positivo.

Mais: http://kibeloco.com.br/2012/08/30/assessoria-48/

Atualização em 18.1.2013:
Graças novamente ao Porta dos Fundos, a brincadeira ganhou mais um capítulo, com bom humor e na paz.

Mais: http://kibeloco.com.br/2013/01/18/assessoria-63/ e http://kibeloco.com.br/2013/01/17/porta-dos-fundos-na-lata/

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Dosimetria no processo do "mensalão"

Na semana passada, fui surpreendido por um aluno com a pergunta: quem vai elaborar a dosimetria em relação aos réus condenados no processo do "mensalão"?
A pergunta me surpreendeu porque, após 10 anos trabalhando em um tribunal estadual, por onde naturalmente também tramitam ações penais de competência originária, e tendo eu mesmo por causa disso redigido votos em ações penais e elaborado a dosimetria da pena, nunca me ocorreu que o procedimento pudesse ser outro que não o relator do processo elaborar a dosimetria e ela ser objeto de deliberação pelo colegiado, exatamente como as demais partes do voto. Mas de repente me dei conta de que o Supremo Tribunal Federal tem as suas peculiaridades, portanto não me atrevi a fornecer uma resposta categórica. Melhor me pareceu examinar o regimento interno daquela corte e consultar votos proferidos em ações penais, que tenham redundado em condenação.
Era como eu pensava. O regimento interno do STF não contém nenhuma regra específica sobre dosimetria, o que só reforça o óbvio: compete ao relator propô-la e ao colegiado deliberar.
Para dar um único exemplo, recorro à Ação Penal n. 516/DF, na qual o presidente da corte e relator do feito, Min. Carlos Ayres Britto, ao proclamar o resultado, declarou: "Quanto à condenação do primeiro réu (...) a decisão foi unânime, assim como unânime foi a decisão da Corte quanto à absolvição da segunda ré (...). Bem, quanto à dosimetria da pena, prevaleceu o voto do Relator, bem como prevaleceu o seu voto no que toca ao cumprimento do regime."
Examinando o inteiro teor do julgado, observa-se que na parte final do voto aparece a dosimetria e todas as decisões consectárias, seguindo-se um interessante debate entre os demais ministros, que torna as deliberações verdadeiramente o produto de um consenso.
Em suma, confirmada a impressão inicial.

Reforma do Código Penal XXIX: o processo de tipificação

Eu estava devendo, ao menos para mim mesmo, postagens com observações pessoais sobre o anteprojeto de novo Código Penal, ora em trâmite no Senado como PLS 236/2012. Como publiquei nas últimas semanas, foi constituída uma comissão de senadores para apreciar o trabalho, que está na fase de realizar audiências públicas e coletar emendas de todo integrante daquela casa legislativa que deseja fazê-lo. A grande preocupação, por ora, é com o açodamento: como já ensinava a sabedoria dos antigos, a pressa é inimiga da perfeição e, embora a perfeição não seja deste mundo, esta matéria não admite leviandade. Melhor a calma e a prudência, para que o conteúdo seja mais realista, na hora da votação em plenário.
Uma primeira consideração que eu gostaria de fazer tem caráter geral. A comissão de especialistas constituída pelo Senado assumiu que a espinhosa tarefa seria conduzida a partir de algumas metas, estabelecidas em um plano de trabalho. A primeira delas consistia em concentrar no Código Penal toda a legislação criminal vigente no país, eliminando um dos problemas mais graves de nosso sistema normativo, em todos os setores e especialmente neste: a inflação legislativa.
É grande a quantidade de leis esparsas tratando sobre aspectos penais. Mesmo que se abstraiam as leis meramente modificadoras de outras normas, o saldo ainda é grande e abrange textos bastante antigos e defasados, como as leis 2.889, de 1956 (crime de genocídio), e 4.898, de 1965 (responsabilidade de agentes públicos por abusos de autoridade).
O excesso de leis conduziu a frequentes superposições de normas incriminadoras. A comissão cita o caso do delito de desobediência, que é previsto no Código Penal (art. 330) mas também comparece no Eleitoral (art. 347). Quem dera fosse o único exemplo. O Estatuto do Idoso, p. ex., deu-se ao desplante de tipificar o abandono, a omissão de socorro, os maus-tratos, o abuso de incapazes e a apropriação indébita, embora todas essas condutas já fossem contempladas pelo CP. A desculpa foi tratar conferir aos tipos penais alguma especificidade, mas isso não seria necessário, ao menos não em todos os casos.
Não podemos olvidar os problemas trazidos pelo Código de Trânsito, notadamente com os crimes de homicídio culposo, lesão corporal culposa e omissão de socorro.
A comissão também apontou um problema ainda maior, consistente em leis que, de tão detalhadas, funcionam como verdadeiros microssistemas penais. O exemplo mais contundente é a Lei n. 9.605, de 1998 (Lei de Crimes Ambientais), que instituiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica (não vale para todos os crimes) e dispõe por modo próprio sobre dosimetria da pena e sobre hipóteses de cabimento e espécies de penas restritivas de direitos.
A Lei n. 11.343, de 2006 (lei de drogas), criou um tipo penal sem previsão da pena privativa de liberdade, a posse de drogas para consumo pessoal, o que trouxe por consequência regras específicas sobre penas restritivas de direitos, imposição de multa e prescrição. A mesma lei dispõe sobre delação premiada (art. 41), sem precisar fazê-lo, já que não dispõe diversamente sobre o tema. No art. 45, cria uma regra inútil sobre imputabilidade, já contemplada pelo art. 28 do CP. Nos arts. 42 e 43, modifica os parâmetros de imposição das penas de prisão e de multa.
Naturalmente, a balbúrdia vai muito além destes parcos exemplos. Por isso, a concentração promovida pela comissão é da maior utilidade.
No relatório final de seus trabalhos, a comissão afirma que o conjunto dos crimes previstos no Código Penal e na legislação extravagante foi submetido a um "triplo escrutínio":
  • o tipo permanece necessário e atual?
  • há incriminações semelhantes em outras normas?
  • as penas são proporcionais à gravidade relativa do crime?
A consequência dessa análise foi uma "forte descriminalização de condutas", a maioria por não passar pelo primeiro dos crivos acima ou por incompatibilidade com a Constituição de 1988 ou com os tratados e convenções internacionais. A par disso, houve mudanças significativas nas penas cominadas para mais em alguns casos; para menos, em outros.
Estas mudanças precisariam ser observadas caso a caso. Mas é possível apontar uma de caráter mais geral: a eliminação do conceito de contravenção penal. Exatamente como se defendia há muito tempo, ou a conduta é grave o suficiente para desafiar a repressão penal e, portanto, deve ser tratada como crime (caso da perturbação do sossego); ou não é assim tão relevante e deve ser abolida, limitando-se a responsabilidade do infrator ao âmbito extrapenal.
Como decisão política, agiu muito bem a comissão. Resta analisar as proposições em si, o que obviamente demanda muito tempo e atenção, de modo que será feito pouco a pouco.

Menina ruiva


Você olha esta imagem e pensa: "que bela moça essa da fotografia!"
E se eu lhe disser que não se trata de uma fotografia, mas de um desenho, feito à mão por um jovem advogado português que não se considera artista e que usa tão somente canetas esferográficas, como a Bic que ninguém leva a sério?
Eis o desenho hiperrealista de Samuel Silva.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Deveria ter melhorado

Uma das imbecilidades que a CTBel promoveu na cidade, por causa das obras do BRT, foi bloquear a Av. Júlio César, forçando os veículos a converter na Av. Brigadeiro Protásio e criando, com isso, um enorme congestionamento no rush matinal. Um congestionamento que seria muito menor se um iluminado de gabinete não tivesse parido uma ideia tão cretina.
Ontem, tomei um susto ao ver que os blocos de concreto que serviam de bloqueio haviam sido deslocados, liberando a pista para os condutores que desejarem passar reto, rumo à Av. Almirante Barroso. Grande ideia, não? Quase. A ideia é boa, mas sua execução foi do tipo cetebélica. O bloqueio foi mantido em meia pista, o que continua injustificável. E não satisfeitos, os inteligentes do trânsito mantiveram o bloqueio à esquerda, liberando a direita da via, o que obriga todos condutores a se afunilar no mesmo espaço. Hoje, quase às oito da manhã, o congestionamento ao longo da Júlio César estava maior do que em todos os dias anteriores, desde o fim das férias.
Em suma, até melhorou. Mas quase nada.

Momento espirituoso

Pense bem antes de tentar c@#@* na cabeça dos outros. Você nunca sabe com quem realmente está lidando...

sábado, 25 de agosto de 2012

"O último talk show"

Programa da TV chinesa é sucesso de audiência com uma proposta radical: entrevistar pessoas que foram condenadas à morte.

Ding Yu em ação, diante de um condenado
"Estou feliz que você foi pego. Você é um bosta." Não, não é o Datena falando com um criminoso. É a delicada jornalista Ding Yu, em Entrevistas Antes da Execução, um talk show com condenados à morte que virou sucesso de audiência na China, com média de 40 milhões de espectadores. A própria jornalista criou o programa, que existe há 5 anos e já entrevistou 250 pessoas.
As entrevistas são gravadas algumas semanas, dias ou minutos antes da execução. Na China, 55 crimes são punidos com pena de morte  de homicídio a "crimes contra o Estado", como espionagem e corrupção. Mas Yu só conversa com homicidas. "Muitos podem achar cruel pedir que um prisioneiro dê entrevista quando está prestes a ser executado. Ao contrário. Eles querem ser ouvidos", disse ela à emissora inglesa BBC. Para ela, o programa cumpre uma função educativa, ajudando a prevenir o crime.
Com o escândalo causado no Ocidente pela entrevista à BBC, Yu foi proibida de falar com a imprensa, e o talk show da morte saiu do ar. Mas sua emissora (que é controlada pelo Estado) já afirmou que vai voltar. Para uma nova — e sangrenta  temporada.
Texto de Anna Carolina Rodrigues

Revista SuperInteressante, edição 308, agosto/2012, p. 18.


sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Uma rede social e um sistema criminal

Dois irmãos condenados à prisão perpétua, no Estado americano de Ohio, recobraram a liberdade após 25 anos. Não, a pena deles não foi extinta. Eles ganharam tão somente o direito a uma reavaliação do caso e saíram sob fiança. Tudo isso graças a uma postagem no Facebook, acolhida por um juiz como indício da inocência dos rapazes.
Ainda que involuntariamente, a rede social mais famosa do mundo serviu para resgatar a vida de duas pessoas. O objetivo original desta postagem era tratar disso, mas não pude ignorar a monstruosidade que o sistema de justiça criminal estadunidense consegue ser. Refiro-me ao fato de que o juiz considerou plausível a tese mas, mesmo assim, para liberar os dois rapazes, foi necessário o pagamento de uma vultosa fiança. Condicionamento da liberdade a dinheiro é deplorável, ainda que se trate de um mecanismo rotineiro.
No Brasil, o juiz poderia conceder a liberdade ("provisória", adjetivação detestável) sem o pagamento de qualquer valor. Mas, por outro lado, aqui dificilmente os dois rapazes conseguiriam a reavaliação do caso. Se entrassem com uma revisão criminal, precisariam contar com a boa vontade de algum tribunal, para não correrem o risco de se decidir que a sentença foi prolatada dentro das exigências legais e portanto se presume que seja válida. Somada ao princípio da soberania dos vereditos do tribunal do júri, eles poderiam simplesmente continuar condenados.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Como um assunto interessante se perde por conta de uma reportagem mal feita

Cotidiano: Após 27 anos, Justiça concede liberdade ao cabo Bruno

A Justiça de Taubaté, no interior de São Paulo, concedeu indulto para Florisvaldo de Oliveira, conhecido como Cabo Bruno. Condenado a 120 anos de prisão, ele cumpriu 27 anos e deverá deixar a Penitenciária de Tremembé ainda hoje.
Ex-policial militar de São Paulo, cabo Bruno foi acusado de chefiar um esquadrão da morte, que atuava na periferia da capital paulista na década de 80. Mais de 50 assassinatos foram atribuidos a ele. Em 2009, o advogado pediu a progressão da pena - do regime fechado para o semiaberto.

Exames criminológicos apontaram o bom comportamento do preso, que vinha atuando como pastor na penitenciária. Na semana passada, o promotor Paulo José de Palma, responsável pelo processo de cabo Bruno, encaminhou um parecer favorável ao indulto, para a decisão final da Justiça de Taubaté.

1. Não existe "progressão da pena", e sim progressão de regime penitenciário. Mau passo, mas dá para entender. Chama a atenção, porém, que um pedido dessa natureza demore 3 anos para ser apreciado.

2. Indulto é coisa completamente distinta de progressão de regime. O advogado pediu uma coisa e o juiz concedeu outra?

3. Existem dois tipos de indulto: o total (exclui o saldo da pena) e o parcial (reduz a pena). Na segunda hipótese, não necessariamente o apenado seria posto em liberdade.

4. Que espécie de liberdade foi concedida ao Cabo Bruno?

Para um leigo, a notícia passa em brancas nuvens, restando provavelmente apenas uma carga valorativa. Mas para quem conhece um pouco do assunto, resta uma grande confusão.

Reforma do Código Penal XXVIII: a vez da OAB e outros

Realizada a segunda audiência pública pela comissão do Senado encarregada de analisar o anteprojeto de Código Penal, representantes das instituições participantes divergiram sobre o mérito de algumas proposições, mas falaram a mesma língua num aspecto: é preciso mais tempo para um debate seguro sobre uma lei tão importante, no interesse de toda a sociedade.
A Ordem dos Advogados do Brasil demorou, mas finalmente instituiu uma comissão própria. Pede ao menos 60 dias para fazer uma análise conclusiva. Para o presidente nacional, Ophir Cavalcante Júnior, há preceitos incriminadores vagos e duvidosos, grave desproporcionalidade nas penas e certas matérias reclamam abordagens sociológicas. A tipificação do bullying, p. ex., deve ter um caráter mais pedagógico do que punitivo.
O presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, Fernando Fragoso, defendeu que debater certos temas (citou especificamente o abortamento) pode ser importante para a sociedade brasileira, além de demonstrar preocupação com o aumento de penas e dificultação da progressão de regime, que pode agravar o problema da superpopulação carcerária.
Representante do Conselho Nacional do Ministério Público, Taís Schilling Ferraz mostrou preocupação com a redução da pena para alguns delitos (não nega que é do MP...) e quer sugerir medidas no que tange a crimes contra crianças e adolescentes. Curiosamente, ela afirmou algo que nada tem de novo: a certeza da punição é mais importante do que a quantidade de pena imposta.

***

As audiências públicas são fundamentais, mas por enquanto só os juristas estão falando. E uma lei não é feita para juristas, e sim para toda a sociedade. É preciso ouvir as razões de todos os segmentos sociais. Leigos ou não, todos têm interesse no resultado desse processo legislativo.

12 camarões e o princípio da insignificância

O princípio da insignificância tem sido admitido de maneira errática na jurisprudência brasileira e sua abordagem não é exatamente conceitual, técnica, pois depende do tipo de crime imputado. Estou constatando que reina particular dissenso em matéria de crimes ambientais.
Para alguns, conduta que afeta o ecossistema não pode ser insignificante, afirmação genérica que me parece tola. Para outros, entretanto, o princípio é perfeitamente possível, como neste caso, em que um indivíduo acusado de crime ambiental por pescar em período de defeso, condenado em primeira instância, acabou absolvido, com base na insignificância. O motivo? Pescou apenas 12 camarões.
Sem olvidar a previsão constante da própria Lei de Crimes Ambientais, no sentido de que se afasta o crime quando a conduta seja cometida com vistas à subsistência pessoal e familiar, 12 delícias como essas aí ao lado não são suficientes sequer para tapar o buraco do dente, que dirá para desequilibrar o meio ambiente.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Faltou o dolo

Repercute na Internet e na imprensa, em âmbito local, o caso dos cães que morreram asfixiados no interior de um veículo usado para transporte de animais, pertencente a um pet shop da cidade. Li, inclusive, matéria na qual a reportagem entrara em contato com o promotor de justiça de Defesa do Meio Ambiente, Benedito Wilson Sá, o qual teria enfatizado a responsabilidade criminal do proprietário do pet shop, face à configuração do crime de maus-tratos contra animal, previsto no art. 32 da Lei n. 9.605, de 1998 (Lei de Crimes Ambientais).
O tipo penal em apreço tem a seguinte redação:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa.
(...) § 2º A pena é aumentada de 1/6 a 1/3, se ocorre morte do animal.
Com todo o respeito e estima que me merece o meu ex-colega de primeiro mestrado, Benedito Wilson, e não podendo ter certeza se ele afirmou peremptoriamente a informação que lhe é atribuída, na condição de estudioso do Direito Penal, acredito ser importante fazer uma ponderação da maior relevância.
Os fatos narrados pela família proprietária dos cães foi confirmada integralmente pela empresa e, assim sendo, podemos admitir que os animais foram pegos em casa, para fins de banho e tosa, no veículo do próprio pet shop, como já fora feito diversas vezes antes. Contudo, em vez de serem levados desde logo para local adequado, foram "esquecidos" dentro do carro que, fechado, aqueceu-se insuportavelmente, matando os caninos por asfixia.
Não tomei conhecimento do motivo que levou o funcionário a deixar os cães no carro. Contudo, se houve esquecimento, pressa, preocupação com outro assunto, distração, etc., todas essas situações nos levariam a uma mesma conclusão: houve negligência. E negligência é fundamento de culpa, não de dolo. A menos que haja alguma informação adicional que desconheço, não há nenhum fator razoável que justifique conceber-se a figura do dolo eventual. Para tanto, seria preciso que o funcionário deixasse os cães naquela situação de caso pensado, sem se importar com o mal que lhes pudesse suceder. Mas a hipótese é no mínimo inverossímil, por ser óbvio que a consequência seria, como foi, a perda do emprego.
O delito acima descrito é necessariamente doloso; não há modalidade culposa prevista para ele. Logo, se os fatos se deram do modo como está sendo propalado, não existe crime no contexto, por atipicidade absoluta ou, em linguagem mais modesta, por ausência de previsão legal.
Embora chovendo no molhado, invoco a doutrina: O tipo subjetivo dessa figura "é o dolo, consistente na vontade de abusar, maltratar, ferir ou mutilar o animal. Não há a forma culposa do delito" (MACIEL, Silvio. "Meio ambiente: Lei 9.605, 12.02.1998". In: GOMES, Luiz Flávio e CUNHA, Rogério Sanches (coord.). Legislação criminal especial. Coleção Ciências Criminais, vol. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 755). O aspecto é tão comezinho que mesmo a doutrina o resolve em duas frases, passando a tratar de outras questões mais específicas, como a mutilação de animais para fins estéticos (esta, sim, nitidamente dolosa, mas supostamente assimilada pela sociedade).
No mais, ainda que crime houvesse, qualquer neófito em Direito Penal sabe que a responsabilidade penal é personalíssima. Costumamos falar sobre o princípio da intranscendência da pena (art. 5º, XLV, da Constituição de 1988) no máximo na segunda semana de aulas. Por conseguinte, o autor do delito seria o funcionário que deixou os cães em sofrimento, jamais o proprietário do pet shop, a menos que tivessem agido em comunhão de desígnios. Vale lembrar, por oportuno, que nem todos os penalistas concordam com a coautoria em crimes culposos.
Em suma, a responsabilidade da empresa é civil (reparação dos danos materiais e morais).

***

Considerando que a histeria tomou conta da Internet, concluo esta postagem lembrando que gosto de animais, amo cachorros tenho dois e sou avesso a qualquer forma de maus-tratos. Outrossim, não conheço qualquer pessoa relacionada ao pet shop em questão, dono ou funcionário, jamais tendo posto os pés no estabelecimento. Também não conheço ninguém da família prejudicada. As considerações acima constituem, exclusivamente, uma reflexão restrita à dogmática penal.

Jubarte

Não é estória de pescador nem montagem. Várias pessoas tiveram a oportunidade de registrar o súbito aparecimento de uma baleia-jubarte na costa da Califórnia, que emergiu para se alimentar.


Imagine uma criatura imensa como essa bem pertinho do seu barco. Por mais dócil que seja, um movimento mais brusco de seu corpanzil, com suas até 36 toneladas, pode provocar uma tragédia. Mesmo assim, a despeito da minha relação mal resolvida com o mar, eu gostaria de presenciar algo assim — um animal fascinante e pouquíssimo acessível, em seu ambiente natural, apenas vivendo a própria vida.
Note a expressão de espanto da moça que se bronzeava (sentada no caiaque azul, absolutamente vulnerável ao animal) e o sorriso largo do rapaz sentado na extremidade do barco (por sinal bem menor do que a baleia). Ele parece em puro deleite.
Sem dúvida, uma experiência única.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O mundo precisa mudar

Uma história inspiradora para você começar bem a semana.

Calhordas

No Fantástico, da Rede Globo, edição de ontem, foi exibida matéria sobre a recusa de atendimento a clientes de planos de saúde, obrigando-os a recorrer ao Judiciário (veja aqui). Os números assustam: na capital carioca, p. ex., 80% das demandas levadas ao plantão judiciário se referem a tutelas de urgência relacionadas à saúde. Em Pernambuco, 60% dos atendimentos da Defensoria Pública têm relação com planos de saúde. E tramitam 240 mil ações em todo o país.
Alguns trechos da matéria causam repugnância. Em um dos casos exibidos, liminar judicial determina a realização de cirurgia na coluna de uma senhora. A cirurgia foi autorizada, mas não houve a liberação dos materiais necessários, velho golpe que empresas canalhas utilizam corriqueiramente. Neste caso, alegou-se o alto custo desse material, onde se revela que, para o capitalista, não tem o menor problema tratar os pacientes com material de segunda. Mas o preço do plano provavelmente é de primeira.
Falando sobre o caso, o presidente da Associação de Medicina de Grupo disse que a exigência de autorização prévia em casos de urgência e emergência é contra a lei, mas pode acontecer. Simples assim. Nenhuma palavra sobre como o setor pretende se comportar a respeito.
No mais, as empresas alegam cumprir a lei do setor, mas muitas vezes os juízes decidem com base no Código do Consumidor ou no Estatuto do Idoso. E o que esses grandessíssimos félas esperavam?! Se uma pessoa contrata um plano de saúde, ela é consumidora. Se tem 60 anos completos, é idosa nos termos da lei. Por conseguinte, o Judiciário está apenas aplicando a legislação vigente e é obrigado a fazê-lo assim, combinando as normas, interpretando-as de acordo com os interesses prevalecentes.
O interesse, no caso, deveria ser a vida e o bem estar dos seres humanos e não o lucro das empresas que, como em todos os demais setores, cobram muito caro por serviços ruins.
O presidente da associação de classe ainda se sai com esta: “O plano de saúde, mesmo quando ele ganha, às vezes o custo é tão alto daquele procedimento, que a família não tem condições de arcar com isso. Então o prejuízo fica com o plano de saúde”. Viram? O prejuízo. Aparentemente, tudo o que eles gastam com o cliente é prejuízo. Então seria o caso de nós pagarmos religiosamente, todos os meses, e nunca utilizarmos o plano para nada? Ou talvez só para pequenas consultas e procedimentos singelos, como uma onicotomia?
Francamente. Essa camarilha nunca ouviu falar em risco do empreendimento? Se decido trabalhar numa área, devo suportar os riscos inerentes a ela. O que não posso é transferir esse ônus para meus clientes (ou funcionários).
Bem a propósito, para angariar maior número de simpatizantes para esta postagem, lembro que os planos também são péssimos para os médicos: pagam mal, glosam despesas por qualquer bobagem, questionam a competência médica na tomada de decisões, etc. Ou seja, essa é uma festa de que três lados participam. Mas somente um pode se divertir.

domingo, 19 de agosto de 2012

Twitterítica XXVI

Lendo comentários no Facebook e no meu próprio blog, constato que há pessoas abdicando da inteligência e da concórdia. Lamentável.

Apenas um gesto

Para aqueles que afirmam que todo presidiário é vagabundo e merece morrer, que são muitos e jamais admitem qualquer ponderação a suas leis absolutas, apresentemos o caso das detentas do Espírito Santo, que doaram cabelo para a confecção de perucas, as quais se destinam a mulheres em tratamento de câncer, num esforço para melhorar a sua autoestima e capacidade de suportar o tratamento.
A reportagem em apreço não menciona que as detentas receberam qualquer benefício pelo gesto. Especulo que a intenção seja, apenas, recordar que ainda são membros de uma comunidade na qual as pessoas podem ser solidárias umas com as outras e fazem isso de coração aberto.

sábado, 18 de agosto de 2012

Brain computer interface

Na manhã de hoje, estive com a família na Estação das Docas, mas não se tratava de um passeio. Eu e Júlia fomos prestigiar Polyana, durante gravação ao vivo de matéria para o programa É do Pará, da TV Liberal. Na verdade, tratava-se de um complemento de outra matéria, gravada há algumas semanas, com o objetivo de mostrar o resultado da pesquisa de conclusão de curso dos então acadêmicos, hoje bachareis, em Ciência da Computação, Felipe Nascimento e Felipe Cintra.
A pesquisa utilizou o que em linguagem técnica se chama brain computer interface, no caso por meio de um headset que capta ondas cerebrais, à semelhança de um eletroencefalograma, e transmite essas informações a um programa de computador, o qual permite a movimentação de uma cadeira de rodas. Até aqui, foram dois anos de trabalho.
Por enquanto apenas um protótipo, a criação de um produto mercadologicamente viável traria enormes benefícios para pessoas com dificuldades de locomoção, mormente as de situação mais grave, como os tetraplégicos. Inclusive por conta do preço, pois a pesquisa está demonstrando ser possível construir um equipamento mais sofisticado e mesmo assim mais barato do que as atuais cadeiras de rodas elétricas.
No âmbito do Centro Universitário do Pará, a pesquisa foi orientada por minha esposa, Polyana Nascimento, professora das disciplinas Inteligência Artificial I e II, que ajudou a desenvolver o software que permite ao computador entender a vontade do agente e transformá-la em ação mecânica, e por Eugênio Pessoa, professor responsável pela engenharia da cadeira, em seus aspectos elétrico e mecânico.
É o tipo de situação que enobrece a vida acadêmica ainda mais e se revela verdadeiramente útil para a sociedade. De parabéns os quatro cientistas, notadamente os dois mais jovens, que não se assustaram com o tamanho da empreitada ainda como alunos de graduação.
Clicando neste link, você lê outras informações e pode assistir à matéria.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Quer uma notícia ruim?

Esta bela formação que aparece na imagem ao lado é uma nuvem de grande desenvolvimento vertical, no caso um cumulonimbus. Pense numa cortina: se ela está na frente da janela, a luz solar não penetra no cômodo ou, ao menos, não o faz diretamente, reduzindo a luminosidade e o calor.
É exatamente o efeito que essa espécie de nuvem provoca. O problema é que, ultimamente, as nuvens de grande desenvolvimento vertical decidiram passear em outras plagas, que não o Pará. Resultado: os raios solares atingem diretamente o nosso costado!
Somando-se a redução do índice pluviométrico e a irregularidade das chuvas, a notícia é que, nos próximos meses, o calor vai aumentar!
Numa palavra: de-ses-pe-ro.

Conteúdo sobre a forma

Em março de 2008, comentei acerca de uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (jurisdição sobre o Estado do Espírito Santo) que considerou deserto o recurso de uma empresa porque o depósito fora realizado a menor, em exatos três centavos! Minha postagem criticava o que me parecia uma decisão irracional e violadora do direito de ação. Posteriormente, a decisão absurda foi ratificada pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Tive os meus comentaristas. Alguns defenderam aqueles princípios do Direito do Trabalho que protegem o trabalhador e, mal utilizados, produzem umas regras estranhas e até inconvenientes. E olha que sou de esquerda e tenho muito mais empatia com o trabalhador do que com o capitalista. Só não me permito ser irracional.
No meio dos comentaristas, veio um mané anônimo (claro) me afrontar, que lançou mão de um argumento patético: o Direito do Trabalho é o que mais exprime a essência do ser humano. Frase de efeito, palavras vazias e bregas.
O tempo passou e eis que o TST, por sua 8ª Turma, decidiu em sentido contrário e afastou a deserção num caso de depósito recursal um centavo abaixo do correto. Um centavo. Antes que alguém conclua que três centavos é muito mais do que um, basta ler as razões adotadas na fundamentação do julgado para perceber que, desta vez, a forma e o pseudoprincípio não foram postos acima do conteúdo. A racionalidade venceu.
Espero que a nova orientação se consagre naquela corte.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Reforma do Código Penal XXVII: resultado da 1ª audiência pública

Senadores José Taques, Eunício Oliveira e Jorge Viana,
durante a audiência (Foto: Marcos Oliveira/
Agência Senado)
Foi realizada, há dois dias, a primeira audiência pública da comissão de senadores encarregados de analisar o anteprojeto de novo Código Penal (agora PLS 236/2012).
Além das manifestações dos especialistas que elaboraram o anteprojeto, foram tiradas algumas deliberações. Uma delas foi a fixação de prazo até 5 de setembro para que os senadores em geral apresentem emendas. A meu ver, um prazo bastante curto, considerando a vastidão e complexidade das matérias. Melhor demorar um pouco mais agora e elaborar um documento melhor. Muito ruim se agirem sob suposta motivação de eficiência para depois, em plenário, um projeto problemático ficar emperrado, como tantos outros, dentre eles o de reforma do Código de Processo Civil.
E você, cidadão comum,  pode continuar mandando suas sugestões, por meio do telefone 0800-612211, pelo site http://www.senado.gov.br/senado/alosenado ou pelo Twitter (@alosenado).
Naturalmente, houve polêmica. A maior delas, sobre a redução da maioridade penal, inclusive se ela deve ser entendida como cláusula pétrea da Constituição.
Preocupado em combater a violência, o senador pelo Acre Jorge Viana, vice-presidente da comissão, foi contundente: "A guerra civil na Síria é uma coisa terrível a que todo dia assistimos, tem 18 meses, e até agora foram 11 mil mortos. É o país que mais explicitamente vive uma guerra no mundo, hoje. No Brasil, sem guerra nenhuma, nesse mesmo período, são 75 mil assassinatos. Não tem sentido ficarmos de braços cruzados".
Resta saber que instrumentos ele propõe para esse combate.
Voz normalmente de bom senso nos debates sobre Direito Penal, o professor Luiz Flávio Gomes, que participou da comissão de especialistas, criticou a legislação de emergência, algo que pode ser combatido através de uma codificação responsável. Mas classificou esse trabalho como "uma gota no oceano", já que o sistema de justiça criminal jamais funcionará enquanto o restante do sistema jurídico e político não funcionar corretamente.

Fonte:

Imposto Para Imbecis

Amigo meu aproveitou que, no feriado estadual de ontem, todas as concessionárias estavam abertas e tentou resolver sua pretensão de trocar de carro, aproveitando a redução do IPI (aqui, no sentido original, imposto sobre produtos industrializados).
A primeira visitada foi da bandeira Honda. O simpaticíssimo vendedor tentou empurrar um Civic, dizendo que a versão de entrada custava 71 mil reais. Meu amigo estranhou e mencionou uma publicidade da semana anterior, oferecendo o mesmo carro por 64 mil. Aí começou a fase do "veja bem", a das letrinhas miúdas. Segundo o vendedor, eles estão vendendo muito e, por isso, existe lista de espera. E como o carro será entregue depois de agosto, então já estão vendendo com o preço novo!
Meu amigo, também advogado, do alto de seu quase metro e noventa de altura, irritou-se e perguntou se o vendedor o considerava imbecil. Afinal, desde que o veículo seja faturado até 31 de agosto, não faz a menor diferença quando o mesmo será entregue ao comprador. Logo, estão enganando o consumidor.
Furioso, meu amigo foi embora e fez a segunda tentativa, numa concessionária Peugeot. Nela, o preço correspondia ao anunciado na TV. Mas também havia letras miúdas. Por aquele preço, o carro era 2011/2012; quem quisesse 2012/2012, o preço, claro, seria maior. Sem falar que já tem gente por aí vendendo carros 2012/2013. Em suma, indiretamente, também estavam enganando o consumidor.
Percebendo que o desfecho do dia não seria nada bom, meu amigo preferiu voltar para casa e postergar uma decisão. Mas já foi avisado que não tem para onde correr. Em todo lugar há um pulo do gato para ferrar conosco.
E isto para o povo de um país onde, sem letras miúdas, os carros já são vendidos a preços absurdos.

"Pai pode deixar de pagar pensão se filho não estudar"

Fiz questão de copiar a manchete do jeito que ela foi originalmente publicada porque é impactante, não? Você ficou impressionado, não ficou? Mas saiba que, embora se trate de um precedente judicial verdadeiro, a dimensão é muito menor do que parece. Porque dá a impressão de que qualquer pai pagador de pensão alimentícia poderia isentar-se da obrigação em retaliação a um filho preguiçoso. Mas é óbvio que isso não poderia ocorrer.
O caso decidido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina envolvia, como alimentando, um sujeito de 22 anos, portanto um adulto, e como alimentante um pai que não tinha mais a obrigação legal de sustentá-lo (por oportuno, veja esta postagem aqui), mas que fez um acordo com ele, como forma de ajudá-lo a ter uma carreira. E o malandro, em vez de aproveitar, fez o maior corpo mole e somente se matriculou numa faculdade para não perder o adjutório. Mas imagine um sujeito que cursa uma disciplina só!
A malandragem foi percebida pelos desembargadores, que não foram nada tolerantes. Bem feito. Parabéns ao pai, que com sua ação judicial está ensinando uma importante lição ao filho, e ao judiciário catarinense, por auxiliá-lo nessa importante tarefa.
Meninos, se aviem. O mundo está mudando...

terça-feira, 14 de agosto de 2012

"Se consigo me controlar, por que não eles?"

Leia, abaixo, o interessante relato de um pedófilo francês de 35 anos, que se diz aliviado por ter sido "desmascarado":

"Minha irmã foi chamada à delegacia quando fui detido por possuir material de pornografia infantil no computador. Foi paradoxal, porque sempre temi esse dia, mas ao mesmo tempo foi um alívio ser desmascarado.
Minha prisão foi um 'clique'. Antes, eu minimizava o caso, fingia que não era nada demais. Antes, não seria capaz de pedir ajuda.
Minha irmã tem filhas pequenas, poderia ter virado as costas para mim. Mas, felizmente, decidiu me ajudar.
Consegui uma suspensão condicional da pena por ter um bom emprego e um bom advogado. Minha irmã me encaminhou para a associação L'Ange Bleu [na França]. Seu apoio foi essencial.
Hoje, na terapia, tento não só reprimir meu desejo, mas entender por que sinto isso. O foco do tratamento é nas minhas relações sociais, nos meus bloqueios. Aos poucos, vamos descobrindo coisas reveladoras, surgem respostas.
O medo de me relacionar com adultos está desaparecendo devagar. Ainda não consigo me relacionar amorosamente com ninguém. Sou tímido com as mulheres.
As reuniões de grupo da associação também são muito úteis. Além de poder conversar com pessoas na mesma situação que eu, posso ajudar quem acabou de chegar.
Jamais pensei em abusar de uma criança, meu desejo nunca saiu da penumbra do meu apartamento. Já tive oportunidade de agir, e não fiz nada.
Apesar do tratamento, não acredito que serei curado. Espero encontrar uma pessoa bacana e viver uma vida normal de casal, mas mantendo minha fantasia escondida. Isso é bem frequente.
Condeno os agressores sexuais. Se consigo me controlar, por que não eles?"

Hugo*, 35, é francês e trabalha em uma empresa de transportes

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1136516-foi-um-alivio-ser-desmascarado-diz-pedofilo-em-tratamento.shtml

Oráculo 2016

Não sou muito chegado ao estilo do jornalista-humorista José Simão, mas dia desses (segundo e-mail que me chega e ora compartilho, para descongestionar a terça-feira) ele inventou "o oráculo". Fui obrigado a dar alguma razão ao cidadão, por isso reproduzo:

Previsões de Pai JOSÉ SIMÃO para as Olimpíadas no Rio 2016

De 2011 a 2015
1. ONGs vão pipocar dizendo que apóiam o esporte, tiram crianças das ruas e as afastam das drogas. Após as olimpíadas estas ONGs desaparecerão e serão investigadas por desvio de dinheiro público. Ninguém será preso ou indiciado.
2. Um grupo de funk vai fazer sucesso com uma música que diz: Vou pegar na tua tocha pra você pôr na minha pira.
3. Uma escola de samba vai homenagear os jogos, rimando “Barão de Coubertin” com “sol da manhã”. Gilberto Gil virá no último carro alegórico vestido de lamê dourado representando o “espírito olímpico do carioca visitando a corte do Olimpo num dia de sol ao raiar do fogo da vitória ”.
4. Haverá um concurso para nomear a mascote dos jogos que será um desenho misturando um índio, o sol do Rio, o Pão de Açúcar e o carnaval, criado por Hans Donner. Os finalistas terão nomes como : “Zé do Olimpo”, “ Chico Tochinha” e “Kaíque Maratoninha”.
5. Luciano Huck vai eleger a Musa dos jogos, concurso que durará um ano e elegerá uma modelo chamada Kathy Mileine Suellen da Silva.

Abertura dos jogos
1. A tocha olímpica será roubada ao passar pela baixada fluminense. O COB vai encomendar outra com urgência para um carnavalesco da Beija-flor.
2. Zeca Pagodinho, Dudu Nobre e a bateria da Mangueira farão um show na praia de Copacabana para comemorar a chegada do fogo olímpico ao Rio. Por motivo de segurança, Zeca Pagodinho será impedido de ficar a menos de 500 metros da tocha.
3. Durante o percurso da tocha, os brasileiros vão invadir a rua e correr ao lado dela carregando cartolinas cor de rosa onde se lê GALVÃO FILMA NÓIS, 100% FAVELA DO RATO MOLHADO.
4. Pelé vai errar o nome do presidente do COI, discursar em um inglês de merda elogiando o povo carioca e, ao final, vai tropeçar no carpete que foi colado 15 minutos antes do início da cerimônia.
5. Claudia Leite e Ivete Sangalo vão cantar o “Hino das Olimpíadas” composto por Latino e MC Medalha. As duas vão duelar durante a música para ver quem aparece mais na TV.
6. O Hino Nacional Brasileiro será entoado a capella por uma arrependida Vanuza, que jura que "não bota uma gota de álcool na boca desde a última copa". A platéia vai errar a letra, em homenagem a ela, chorar como se entendesse o que está cantando, e aplaudir no final como se fosse um gol.
7. Uma brasileira vai ser filmada várias vezes com um top amarelo, um shortinho verde e a bandeira dos jogos pintada na cara. Ela posará para a Playboy sem o top e sem o shortinho e com a bandeira pintada na bunda.
8. Por falta de gás na última hora, já que a cerimônia só foi ensaiada durante a madrugada, a pira não vai funcionar. Zeca Pagodinho será o substituto temporário já que a Brahma é um dos patrocinadores. Em entrevista ao Fantástico ele dirá que não se lembra direito do fato.
9. Setenta e quatro passistas de fio-dental vão iniciar a cerimônia mostrando o legado cultural do Rio ao mundo: a bala perdida, o tráfico, o funk, o sequestro relâmpago e a favela.
10. Durante os jogos de tênis a plateia brasileira vai vaiar os jogadores argentinos obrigando o árbitro a pedir silêncio 774 vezes. Como ele pedirá em inglês ninguém vai entender e vão continuar vaiando. Galvão Bueno vai dizer que vaiar é bom, mas vaiar os argentinos é melhor ainda. Oscar concordará e depois pedirá desculpas chorando no programa do Gugu. 11. Um simpático cachorro vira-lata furará o esquema de segurança invadindo o desfile da delegação jamaicana. Será carregado por um dos atletas e permanecerá no gramado do Maracanã durante toda a cerimônia. Será motivo de 200 reportagens, apelidado de Marley, e será adotado por uma modelo emergente que ficará com dó do pobre animalzinho e dirá que ele é gente como a gente.
12. Adriane Galisteu posará para a capa de CARAS ao lado do grande amor da sua vida, um executivo do COB.
13. Os pombos soltos durante a cerimônia serão alvejados por tiros disparados por uma favela próxima e vendidos assados na saída do Maracanã por “dois real”.

Durante os jogos
1. Caetano Veloso dará entrevista dizendo que o Rio é lindo, a cerimônia de abertura foi linda e que aquele negão da camiseta 74 da seleção americana de basquete é mais lindo ainda.
2. Uma modelo-manequim-piranha-atriz-exBBB vai engravidar de um jogador de hóquei americano. Sua mãe vai dar entrevista na Luciana Gimenez dizendo que sua filha era virgem até ontem, apesar de ter namorado 74 homens nos últimos seis meses, e que o atleta americano a seduziu com falsas promessas de vida boa nos EUA. Após o nascimento do bebê ela posará nua e terá um programa de fofocas numa rede de TV.
3. No primeiro dia os EUA, a China e o Canadá já somarão 74 medalhas de ouro, 82 de prata e 4 de bronze. Os jornalistas brasileiros vão dizer a cada segundo que o Brasil é esperança de medalha em 200 modalidades e certeza de medalha em outras 64.
4. Faltando 3 dias para o fim dos jogos, o Brasil terá 3 medalhas de bronze e 1 de ouro, esta ganha por atletas desconhecidos no esporte “caiaque em dupla”. Eles vão ser idolatrados por 15 minutos (somando todas as emissoras abertas e a cabo) como exemplos de força e determinação. A Hebe vai dizer que eles são “uma gracinha” ao posarem mordendo a medalha, e nunca mais se ouvirá deles.
5. A seleção brasileira de futebol comandada por Ronaldinho vai chegar como favorita. Passará fácil pela primeira fase e entrará de salto alto na fase final, perdendo para a seleção de Sumatra.
6. A seleção americana de vôlei visitará uma escola patrocinada pelo Criança Esperança. Três meninos vão ganhar uma bola e um uniforme completo dos jogadores, sendo roubados e deixados pelados no dia seguinte.
7. Os traficantes da Rocinha vão roubar aquele pó branco que os ginastas passam na mão. Um atleta cubano será encontrado morto numa boate do Baixo Leblon depois de cheirá-lo. O COB, a fim de não atrasar as competições de ginástica, vai substituir o tal pó pelo cimento estocado nos fundos do ginásio inacabado.
8. Um atleta brasileiro nunca visto antes terminará em 57º lugar na sua modalidade e roubará a cena ao levantar a camiseta mostrando outra frase onde se lê: JARDIM MATILDE NA VEIA.
9. Vários atletas brasileiros apontados como promessa de medalha serão eliminados logo no início da competição. Suas provas serão reprisadas em 'slow motion' e 400 horas de programas de debate esportivo vão analisar os motivos das suas falhas.  
Após os jogos
1. Um boxeador brasileiro negro de 1,85m estrelará um filme pornô para pagar as despesas que teve para estar nos jogos e por não obter patrocínio.
2. Faustão entrevistará os atletas brasileiros que não ganharam medalhas. Não os deixará pronunciar uma palavra sequer, mas dirá que esses caras são exemplos tanto no profissional tanto no pessoal, amigos dos amigos, e outras besteiras.
3. No início do ano seguinte, vários bebês de olhos azuis virão ao mundo e as filas para embarque nos vôos para a Itália, Portugal e Alemanha serão intermináveis, com mães "ofendidas", segurando seus rebentos...

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Reforma do Código Penal XXVI: 1ª audiência pública

Está marcada para amanhã, 14 de agosto, às 9h30, a primeira audiência pública sobre o anteprojeto de novo Código Penal (agora PLS 236/2012), já sob o comando da comissão especial de senadores. Aparentemente, o objetivo do primeiro encontro é ouvir membros da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto.
Infelizmente, a notícia oficial do Senado não esclarece quem mais foi convidado para o evento e se há intenção de tirar algum encaminhamento para a continuidade dos trabalhos. Resta-nos, pois, prosseguir acompanhando.

Colocar em termos

Fui imediatamente atraído à leitura por um artigo intitulado "Má qualidade do ensino se deve à formação do docente". Fiquei desde logo aborrecido, porque se de um lado é verdadeiro que a formação docente é um fator óbvio do problema, e dos mais importantes, de outro colocar nas costas dos professores a principal responsabilidade me pareceu uma covardia, ainda mais por não saber se o autor do texto é professor e tem alguma ideia do que está falando.
Ao ler o breve artigo, porém, observei que o promotor de justiça e doutorando pela USP Tiago Cintra Essado afirma coisa bem diferente. Até me pergunto se a culpa do péssimo título foi dele ou do Consultor Jurídico.
Lendo o texto, percebe-se que, para o autor, o maior problema da situação atual do ensino jurídico no país é o estudo quase exclusivo e acrítico da dogmática. Incluo estes dois adjetivos por minha conta porque, afinal, nunca deixaremos de estudar e ensinar a dogmática, até porque é com base nela que o profissional do Direito resolve a maioria de suas tarefas cotidianas. Só não podemos colocá-la como finalidade em si mesma. Está correto Essado, portanto, quando afirma, por outras palavras, que a formação humanista do acadêmico é mais relevante.
Mas é óbvio que ele está correto. Esse diagnóstico já foi feito há muitos anos. O artigo mencionado, em si, repete uma série de obviedades, sendo apenas uma opinião de um parágrafo em torno de algo que, no ambiente acadêmico, já se tornou senso comum. Felizmente, ao longo do texto, o autor identifica outros fatores de má qualidade de ensino, não imputáveis aos professores, mas às instituições. Poderia ter articulado melhor isso.
Não querendo produzir outro artigo exíguo e óbvio sobre o ensino jurídico  até porque sou um dos atores dele, mas isso não faz de mim um especialista , digo apenas que uma análise decente sobre a qualidade do ensino jurídico precisará deitar grande atenção sobre as responsabilidades do Ministério da Educação e, já que o objetivo é ter visão da realidade, lembrar que grande parte (senão a maioria) dos que procuram os cursos jurídicos hoje querem passar em concursos públicos, por isso estão se lixando para o conhecimento, para a ciência, para as humanidades. Querem é a dogmática mais rasa e concurseira, das provas objetivas, que lhes permita a aprovação e a boa remuneração.
Como qualquer droga, só existe o traficante porque existe o viciado. Se há instituições ordinárias de ensino, é porque há muita gente que deseja o produto por elas vendido (e o termo é esse, mesmo: vendido), que não é o Direito de verdade, muito menos suas implicações humanas. Os futuros articulistas que se dediquem a isso, também.

Vincent Price

Ontem pela manhã levei Júlia para assistir à peça infantil Uma flor para Linda Flora, do dramaturgo Carlos Correia Santos, dirigida por irmão, Hudson Andrade (sobre a qual falarei depois). Quando chegamos ao Centro Cultural SESC Boulevard, deparei-me com um quadro avisando sobre a realização, naquele espaço, de uma mostra Vincent Price.
Vincent Leonard Price Jr. (1911-1993) foi um dos mais famosos atores estadunidenses, tendo começado a carreira pelo teatro, migrando em seguida para o cinema, onde se transformou no mestre do macabro, pelo gênero que o consagrou, em parte auxiliado pelo cineasta Roger Corman (1926- ), celebérrimo por seus filmes de terror.
Price também é dono de uma das mais belas vozes que já ouvi, usada com especial talento para fazê-la fantasmagórica, o que lhe valeu o convite para gravar o famoso trecho final de "Thriller", um dos maiores sucessos de Michael Jackson. Quem não se recorda do lendário "Darkness falls across the land / The midnight hour is close at hand / Creatures crawl in search of blood / To terrorize y'all's neighborhood / And whosoever shall be found / Without the soul for getting down / Must stand and face the hounds of hell / And rot inside a corpse's shell"?
Fiquei maravilhado com a oportunidade e ao mesmo tempo chocado com a ausência de divulgação, motivo pelo qual a partir de agora serei seguidor do blog do SESC Boulevard. Lá é apresentada a vasta e valiosa programação cultural que aquele centro disponibiliza à cidade, totalmente de graça.
A mostra apresenta um total de seis filmes, um por dia, todo sábado e domingo, sempre às 16 horas. Com um detalhe: a exibição é pontualíssima. Já tendo perdido A casa dos maus espíritos, tratei de assistir à adaptação de um dos melhores contos de Edgar Allan Poe: A queda da casa de Usher. Poe é o autor de boa parte das estórias que originaram os filmes da mostra, o que torna tudo ainda melhor. Conheça a programação, porque ainda faltam quatro filmes por exibir.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O desejo

“Poucas coisas são tão torturantes quanto ter a mulher dos nossos sonhos diante de nós, tão perto, todos os dias, e saber que não se tem chance alguma”, matutava Aníbal consigo mesmo. Seus pensamentos voavam enquanto a respiração se intensificava e certos músculos se intumesciam à vista de seu objeto máximo de desejo afastando-se pelo corredor, deixando um rastro de perfume condensado no ar.
Todo dia era a mesma sensação, há mais de um ano, desde que Madalena — o nome já lhe sugeria lascívia — se tornara sua colega de trabalho. Quinze anos mais jovem, linda, repleta de curvas sensacionais, jeitinho brejeiro que fascinava espontaneamente todos os homens e umas tantas mulheres. Para piorar, era também inteligente, generosa, solidária, bem humorada sem afetações. Tinha sempre um comentário divertido, uma palavra amiga e uma mensagem reconfortante. Magnetizava qualquer ambiente. Pessoas se embeveciam quando ela demorava um pouco mais falando. E era solteira. Totalmente descompromissada, o que gerava perplexidade e sussurros. Mas ela estava sempre tão feliz!
Não estava isenta de senões, entretanto. Havia algo de misterioso em sua aura, que incomodava muitos (sobretudo muitas), mas isso somente a tornava mais sedutora para Aníbal.
Quiseram forças insondáveis do universo que Madalena fosse trabalhar junto a Aníbal e se tornasse uma grande amiga, o que aumentava a aflição do rapaz. Ele sonhava com esses romances que surgem no ambiente de trabalho, porque muitas pessoas passam mais horas do dia nele do que em casa. Olhava-se no espelho e detestava o que via, julgando que isso explicaria por que Madalena claramente não via nele uma opção amorosa. Mil angústias atarantavam sua cabeça enquanto a moça o abraçava calorosamente na entrada, no meio do expediente, na saída, tudo permeado por ditos espirituosos.
Um dia, por fim — é o que aqui nos cabe —, os dois ficaram sozinhos enquanto se dirigiam para casa. Ainda caminhavam pela rua quando a conversa deu uma guinada surpreendente:
— Vou direto para o banho! — anunciou Madalena.
— Eu também — disse Aníbal, evasivo.
— Junto comigo? — provocou ela.
Aníbal foi tomado de espanto e, sem saber como agir, pensou em desconversar, mas o olhar desafiador da mulher lhe sugeriu que ela sabia de tudo porque, afinal, as mulheres sempre acabam percebendo essas coisas e os homens, não. Sentindo-se dominar por uma súbita e inédita coragem, ele se empertigou, empostou a voz e disparou, caprichando no semblante de conquistador, como se fosse o homônimo cartaginês que tanta dor de cabeça dera a Roma:
— Seria a realização de todos os meus sonhos.
Madalena assumiu ares absolutamente maliciosos. Abraçou Aníbal e passou de leve a ponta de um dedo em seu rosto.
— E por que nunca me disse isso antes?
— Porque nunca achei que tivesse chance — admitiu, embora sem perder a atitude.
Madalena apertou um pouco mais o abraço e, falando com a boca intensamente vermelha bem perto da dele, murmurou:

— Então agora você conhecerá o segredo que tantos sempre quiseram saber. Eu, na verdade, sou uma feiticeira. E tenho poder para realizar um desejo seu. Mas pense bem, porque é apenas um! E você tem que pedir imediatamente. Mas saiba: tem que oferecer algo em troca, à altura de sua pretensão.
— Que seja — tornou ele, realizado. — Eu daria dez anos de minha vida para transar com você, agora, por horas e horas.
— Repita — Ela esboçou um laivo de surpresa.

Eu daria dez anos de minha vida para transar com você, agora, por horas e horas.
Madalena soltou uma gargalhada cruel enquanto afastava Aníbal. Encarando-o diretamente, exclamou:

— Feito! Mas você tem que pagar primeiro.
— O que preciso fazer?
— Apenas pense no seu desejo e diga a si mesmo: “dou dez anos de minha vida por ela”!
Aníbal instintivamente fechou os olhos, mas abriu um sorriso imenso, para fazer sua oferta. Poucos segundos se haviam passado quando seu rosto se crispou em dor e susto. Arregalou os olhos, pondo a mão em garra à altura do coração. Uma dor lancinante o acometia e o ar se tornava rarefeito. Apavorado, fitou Madalena em súplica.
— O que está acontecendo?! — balbuciou, sentindo as pernas fraquejarem e a visão escurecer.

— Lamento informar, meu caro, que você não dispunha sequer desses dez anos que me ofereceu. Mas trato é trato. Vai me dar o que tem agora e, um dia, hei de procurá-lo para resgatar o meu saldo. Esteja certo disso: irei ao inferno e tomarei o que é meu!
Aníbal ainda estendeu o braço na direção da feiticeira, mas seu corpo desabou com um coração morto por dentro.
Madalena lhe deu as costas e saiu caminhando, com sua graça indescritível e um ligeiro sorriso nos lábios. Atrás dela, os curiosos se aglomeravam em torno do cadáver, cujo semblante não denunciava medo ou dúvida, apenas uma tristeza infinita.

10.8.2012

Fora do prumo

A sustentação oral é o único momento em que o advogado pode falar numa sessão de julgamento perante um tribunal. É, portanto, a oportunidade de que dispõe para alegar tudo o que deseje, em defesa de sua causa, devendo fazê-lo em tempo delimitado.
Quando digo alegar tudo, quero dizer tudo mesmo, porque no exercício de sua profissão, em âmbito penal ou não, o advogado pode suscitar quaisquer teses, manipular informações, inventar, especular, fazer críticas contundentes (protegido pela inviolabilidade, que o livra inclusive do risco de sofrer imputações criminais por suas manifestações), acusar terceiros, criticar o sistema, as instituições, Deus e o mundo, eu e você, etc. Afinal, ele é o representante do autor ou do réu de uma ação e, por definição, quem é parte não pode ser imparcial, o que seria uma contradição em termos.
O advogado, enfim, responde apenas pelos abusos de linguagem cometidos, que extrapolem a defesa da causa tornando-se agressão evidente, ou por eventuais atos ilícitos que não configurem meros exercícios de opinião, tais como falsear documentos, corromper testemunhas ou autoridades, etc.
Para o leigo, pode ser difícil compreender essas prerrogativas do advogado, até por causa dos clichês em torno de nossa profissão, alguns bastante agressivos e discriminatórios. Mas é bom destacar que tais prerrogativas não existem para beneficiar o advogado e, sob certos aspectos, nem mesmo a parte por ele defendida. A sociedade é a grande beneficiária, porque elas representam a garantia de que toda pessoa envolvida em uma demanda judicial pode enfrentar a todos na luta pelo direito que acredita possuir, seja um cidadão de mesma estatura, uma corporação, uma autoridade pública ou o próprio Poder Judiciário. Sem tal possibilidade, seria absolutamente impossível pensar-se num processo minimamente equilibrado e a própria democracia restaria comprometida. A própria concepção de justiça restaria prejudicada, porque no final das contas pode não ser justa minha pretensão em si, mas é justo eu lutar por ela, apresentando meus argumentos perante um órgão específico, de forma pacífica, em vez de partir para a vingança privada.
Não quero ser ideológico nem idealista demais. Na verdade, o texto acima é consequência do meu defeito de ser prolixo, porque minha única intenção era lamentar que, ontem, o Ministro Joaquim Barbosa haja interrompido a sustentação oral do advogado que, na tribuna do STF, defendia réus do "caso mensalão". Ao interrompê-lo, quebrou o ritmo de sua exposição e desconcentrou-o. Ao interpelá-lo coisa que sequer poderia fazer , prejudicou o desenvolvimento de suas teses. Em suma, atrapalhou a defesa e, com isso, cerceou uma garantia constitucional fundamental. Dentro da casa que existe para defender a Constituição.
Barbosa parece não ter limites. Sempre dominado por uma virulência generalizada, detesta ser contrariado e abdica da urbanidade para se dirigir a qualquer pessoa que o incomode. Mas ainda assim é exaltado por significativa parcela da imprensa, que se ocupa de endeusá-lo para vender a imagem de compromisso com a probidade, com a moralidade pública. E se regala com as atitudes destrambelhadas do magistrado.
Ele até poderia estar correto no mérito. Mas isso não lhe dá o direito de partir para o vale-tudo. Quem reclama bom senso não são os réus do "mensalão", nem mesmo os advogados. É o sistema judiciário brasileiro.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Que mundo é este?!

Em São Paulo, matar menos gente pode virar critério de avaliação de conduta policial...
Fazia tempo que eu não dizia isso mas, enfim, se pararem o mundo na próxima estação, periga de eu descer.

De volta aos bancos escolares

Cursei um mestrado inteiro. Inteirinho. Foi na Universidade Federal do Pará, cujo programa de pós-graduação em Direito, hoje, é um dos melhores do Brasil, com nota 5 pela CAPES. Mas circunstâncias variadas e estranhas fizeram com que eu deixasse de cumprir um requisito, digamos assim, mínimo: defender a dissertação. Só isso.

Esse é o capítulo mais esquisito da minha biografia e, confesso, não gosto de falar dele. E agora nem precisarei mais. Passada uma década (!), e sendo uma pessoa bastante diferente, retomei os meus estudos, algo de que sentia enorme dificuldade há bastante tempo. Volto, agora, em casa, no PPGD do CESUPA, cercado por amigos queridos cuja competência os precede. E cujo projeto foi gestado ao longo de 6 anos, com muito cuidado e responsabilidade.

Ontem tive a minha primeira aula, como novel estudante, após anos sendo professor. Foi muito gratificante porque, como sei desde 1992, se há um lugar onde gosto de estar é na Academia (não por acaso escrito com letra maiúscula). Realmente acho que nasci para isso e não há outra coisa que me realize tanto.

Há quem me questione sobre eventual incômodo em ocupar dois papeis na mesma instituição. Incômodo algum. Considero uma bobagem essa ideia. Primeiro porque meu conhecimento sobre o corpo docente do mestrado me faz pensar apenas no privilégio que é estar com ele. E segundo porque não incorro no erro, tão miserável quanto rotineiro, de traçar uma linha divisória entre professores e alunos. É claro que ambos desempenham funções distintas, mas são protagonistas do mesmo processo e da mesma aventura. Convém que estejam próximos e afinados, para que o processo de ensino-aprendizagem funcione.

Ontem foi apenas a aula 1. Mas serviu para bem delinear a tarefa que temos na disciplina, o proveito desta para as nossas pesquisas individuais e para mostrar que estou há milhares de quilômetros do que preciso e a anos-luz do que gostaria.

A nova empreitada provocará efeitos importantes no blog, afetando sua atualização, influenciando suas pautas mas, sobretudo, transformando o seu autor. Esta é a melhor parte.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Violência contra a mulher: o governo compra a briga

Com o surgimento da “Lei Maria da Penha”, aqueles que acreditam que uma lei — fator externo ao ser humano — pode mudar comportamentos e convicções acreditaram que a violência contra a mulher diminuiria. Ledo engano. Ela continua aumentando e o Estado do Pará é um dos campeões de maldade.
Mas é possível que a conjuntura mude, porque os machões estão prestes a ganhar um novo inimigo e, desta vez, um de peso. Veja a notícia abaixo:

Brasil: INSS quer ser ressarcido por quem agride a mulher
Quarta-feira, 08 de agosto de 2012 - 06h07

O INSS  processará os agressores de mulheres, para cobrar o ressarcimento de valores pagos pelo órgão, decorrentes de atos de violência doméstica. O Ministério da Previdência Social também exigirá nos tribunais uma reparação equivalente às despesas com pensões por invalidez ou morte. A medida deve ser aplicada no caso da própria Maria da Penha, que deu nome à lei de proteção às mulheres, há seis anos. No primeiro semestre de 2012, o Ligue 180, telefone para denúncias sobre violência contra a mulher, registrou quase quatrocentos mil atendimentos.
 

Tecnicamente, o INSS está coberto de razão. Se A causa lesões em B, em decorrência das quais o Estado, no caso o sistema de previdência social, foi obrigado a suportar ônus com benefícios diversos, é perfeitamente cabível o que em Direito chamamos de direito de regresso, que consiste, justamente, em fazer o causador do dano ressarcir as despesas suportadas pelo INSS. O que me surpreende, na verdade, é que só tenham pensado em fazer isso agora.

Parabéns pela iniciativa. Antes tarde do que nunca. Infelizmente, preciso lembrar que a maioria dos futuros réus não terão condições de ressarcir os cofres públicos, de modo que o contribuinte continuará pagando a fatura. Por isso, até seria interessante esse aspecto ser mais explorado pelo poder público, como forma de fazer a própria sociedade ter mais interesse em colocar os valentões em seu devido lugar. Se não pelo sentimento de humanidade, ao menos porque o bolso é a parte mais sensível do corpo.


Acréscimo em 7.10.2013:
O projeto de lei continua avançando na Câmara dos Deputados. Veja: 
http://www.conjur.com.br/2013-out-06/comissao-aprova-projeto-obriga-agressor-mulher-indenizar-inss

Instalação do mestrado

Estão oficialmente abertas as atividades do curso de Mestrado em Direito do CESUPA. Ontem, às 19 horas, houve aula inaugural, aberta pelo nosso reitor, Prof. Dr. João Paulo do Valle Mendes. Em seguida, falaram os professores doutores Sandro Simões, coordenador do curso de Direito; Jean Carlos Dias, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito; e Paulo Klautau Filho, vice-coordenador do PPGD.

O tema da aula era "A pós-graduação em Direito no Brasil". Ganhamos um panorama sobre o surgimento dos cursos de pós-graduação em nosso país, a partir da década de 1960, seguindo um modelo europeu (pioneirismo da Alemanha). E, confesso, tive um choque imenso ao saber que os governos militares, naquela década, fizeram algo bom: decidiram investir na pós, porque consideravam estratégico para o país o surgimento de uma comunidade científica!

Governos militares fazendo uma coisa boa... Inacreditável. Mas dado o autor da informação, acreditei e, pelo menos, isso reforça a tese espiritualista de que mesmo do lodo mais profundo se pode extrair algo bom.

Em seguida, foi explicada a construção do nosso curso de mestrado, um projeto que demorou 6 anos, entre a idealização e a efetiva instalação, a comprovar como projetos educacionais são sempre de longo prazo.

A partir de hoje, aulas normais, das disciplinas ofertadas neste semestre. Um longo e intenso período se inicia. E para todos professores, alunos, instituição e a própria sociedade paraense , é apenas um começo.