quinta-feira, 12 de maio de 2016

A vida do pobre

A diarista que nos ajuda aqui em casa tem andado preocupada. Sua nora, moça muito jovem e também sem grandes níveis de instrução, estava em fase final de gestação. Na semana passada, começou a se sentir mal, com alguns sinais sugestivos de que a criança talvez estivesse pedindo para nascer, como diz a gente simples que conheci ao longo da vida. Mas como já havia uma cesariana marcada (claro!) para a última segunda-feira, dia 9, a médica que a atendeu em hospital público seguiu o protocolo clandestino (atendimento de pobre regra n. 1) e decidiu que o quadro era normal, provavelmente consequência de o bebê estar se reposicionando no útero. Disse isso no primeiro atendimento e, de novo, à noite, quando a gestante retornou após uma piora.

Ao ser informado, recomendei que a família tentasse um contato direto com o médico que fez o pré-natal e pedisse providências. Até onde sei, não conseguiram falar com ele (atendimento de pobre regra n. 2). A moça passou todo o final de semana se sentindo mal e, na manhã de segunda-feira, como agendado, foi ao hospital para o parto. Lá, foi surpreendida com a notícia de que seria internada, mas o parto somente seria feito à tarde. Na verdade, o médico tinha 20 partos para fazer e iniciaria o que chamo de linha de produção às 14 horas (atendimento de pobre regra n. 3). Ela deveria esperar. E esperou.

Em algum momento da tarde de segunda, o parto foi feito. A criança nasceu cianótica e pouco responsiva. Mamou uma única vez e passou toda a noite quieta, emitindo um gemido baixo. Com a troca de plantão, apareceu por lá um auxiliar de enfermagem que prestou atenção ao bebê e constatou que ele não estava bem (atendimento de pobre regra n. 4, também conhecida como "cláusula da sorte"). Acionou a enfermeira e o bebê foi levado para a UTI, ou seja, o quadro era grave! E aqui identificamos mais um lance de sorte: havia UTI neonatal, disponível.

Eis que, então, a família descobre que o parto não fora realizado pelo médico que acompanhava a gestação, mas pelo irmão dele. Juro que, nessa hora, perguntei: "Mas o irmão dele pelo menos era médico?" Parece que era. E aí temos atendimento de pobre regra n. 4: ser atendido pelo profissional que conhece o seu caso e em quem você talvez confie é muita pretensão sua.

O médico que deveria estar à frente de tudo se interessou pelo caso, enfim, e prestou as primeiras informações à família. Disse que a criança passou do momento certo de nascer. Isso eu, como leigo porém não ignorante, havia considerado na sexta-feira passada, mas a médica que atendeu a paciente por duas vezes, não. O grave comprometimento pulmonar do bebê era consequência da aspiração de líquido amniótico (esta eu também acertaria). Agora está marcada uma reunião com a equipe médica, para discutir o caso. A família aguarda para saber se a criança ficará bem, se terá sequelas, etc. O pai já avisou: se acontecer algo, vai processar. De minha parte, afirmo que "algo" já aconteceu.

E assim passou mais uma semana na vida do pobre: enfrentando dramas perfeitamente evitáveis e não sabendo como será o futuro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Yúdice!
Fiquei pensando tanto sobre esse seu post... Você tem notícias sobre o bebê? As sequelas foram grandes?

Histórias como essa acontecem a todo momento, em qualquer lugar. Mas mexem tanto comigo! Em pensar que não podemos confiar em nenhum político, nenhum salvador dessa pátria... TRISTE SITUAÇÃO A NOSSA.

Um grande abraço!
Tati